Walmiris/Atroaris é um povo indígena que habita o Sudeste do estado brasileiro de Roraima e o Nordeste do estado brasileiro do Amazonas, mais precisamente a Área Indígena Waimiri-Atroari. São do ramo linguístico Karib cujo território imemorial de ocupação está situado entre os rios Uatumã, Negro e Branco.
Foram conhecidos também como Crichanás, Jauapery, Uaimiri-Atroari, Bonari quando segmentos expansionistas da sociedade envolvente brasileira travaram seus primeiros contatos com eles, sobretudo a partir do Século XIX.
Contatos e Conflitos – No século XIX, os contatos mais conhecidos ocorreram na foz do rio Jauapery, próximo às vilas de Moura e Airão, de forma quase sempre belicosa, com o apoio inclusive de forças policiais do Amazonas. Aldeias inteiras foram dizimadas por expedições oficiais do governo ou por matadores profissionais, porque sua população era tida como empecilho à livre exploração das riquezas naturais existentes nas terras que ocupavam.
Só por volta de 1870 é que aconteceu o primeiro contato amistoso, por intermédio do etnógrafo e botânico João Barbosa Rodrigues.
Por várias vezes, ao longo do século XX, suas terras foram objeto de esbulho e de abertura a empreendimentos que atendessem aos interesses econômicos da sociedade nacional. Mas foi na década de 1960 que foram iniciados, um processo que culminou com o genocídio de mais de 2500 pessoas pertencentes a esse povo. O Serviço de Proteção ao Índio e, em seguida, a Fundação Nacional do Índio – órgãos indigenistas do estado brasileiro, por meio dos trabalhos da Frente de Atração e Contato dos Waimiri-Atroari, foram pontas de lança para esse genocídio. Durante a construção da BR-174, rodovia que atravessou o território indígenas e que tinha por finalidade a implantação de mineração dentro do território tradicional dos Waimiri- Atroari.
Segundo o Relatório do Comitê Estadual pelo Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas, no final da década de 1970 até meados de 1980, a intensificação do contato da sociedade nacional com os Waimiri-Atroari, somada à ação de jagunços contratados pela Paranapanema, acarretou-lhes novamente consequências dramáticas em termos de depopulação provocada por choques armados e por surtos epidêmicos de doenças exógenas que debilitaram toda sua população, a ponto de as pessoas em idade produtiva não poderem mais caçar, pescar nem cultivar roças, fato que acabou por redundar num grave estado de inanição e de desagregação social em várias de suas aldeias.
Em 1974, a população sobrevivente era em torno de 1500 pessoas. Em 1983, o pesquisador do Museu Emilio Goeldi, Stephen Grant Baines, contabilizou apenas 332 sobreviventes, a maioria crianças e adolescentes.
Ano |
População |
Ano |
População |
|
1905 |
6000 |
1983 |
350 |
|
1968 |
3000 |
1983 |
332 |
|
1972 |
3000 |
1987 |
420 |
|
1974 |
600-1000 |
1991 |
505 |
|
1982 |
571 |
2011 |
1515 |
Dois dos episódios mais emblemáticos do contato atabalhoado que se passou a travar com os Waimiri-Atroari, decorrente da pressão pela construção acelerada da Rodovia BR- 174 (que liga Manaus a Boa Vista), foi a morte das equipes que atuaram na tentativa de atrair os Waimiri-Atroari: uma, a do padre e antropólogo Giovane Calleri, em 1968, a quem se incumbiu de consumar o contato com eles num período de três meses; a outra, da Fundação Nacional do Índio, chefiada pelo indigenista Gilberto Pinto Figueiredo, que tentara restabelecer a Frente de Atração, com o intuito de promover um contato baseado no respeito à cultura indígena e de forma paulatina, apesar das circunstâncias tumultuadas. Gilberto não tinha a intenção etnocêntrica de integrar os índios à civilização. Ao contrário, tinha por premissa o estabelecimento de um convívio interétnico assentado no respeito mútuo, única maneira de orientar as relações de modo a que o advento do domínio ocidental – dos pontos de vista – não acarretasse consequências avassaladoras que fizessem tábua rasa da tradição da cultura autóctone, em face da modernidade histórica do capitalismo em expansão. Os dois episódios foram narrados no romance Tocaia do Norte, da escritora Sandra Godinho.
Três grandes empreendimentos estiveram na base desse processo: a Rodovia BR-174, estabelecida, dentro da terra indígena, entre 1967 a 1977; a instalação de mineradora em Pitinga (do grupo Paranapanema), em 1979, de extração de cassiterita, como resultado de chicanas jurídico-administrativas, tramadas nas esferas do governo federal, que culminaram na esbulho de 526.000 hectares da terra indígena e na abertura, de outra rodovia ilegal para o escoamento do minério extraído; e, por fim, a desastrosa construção da Usina Hidrelétrica de Balbina (concluída em 1989) que, apesar de pouco produtiva, forçou o deslocamento de 30% da população Waimiri-Atroari em decorrência da formação do reservatório de 30.000 hectares construído na terra indígena, como também de todo o contexto social, político e econômico da região. Simultaneamente, foram griladas grandes faixas de terra dentro do território tradicional desse povo, as quais beneficiaram empresários e políticos do Estado de São Paulo com lotes simétricos de 5 quilômetros de frente por 6 quilômetros de fundo, totalizado 3.000 hectares cada.
Os costumes dos Waimiri-Atroari – O território tradicional do povo Waimiri-Atroari se estende por uma área muito maior do que os limites da terra indígena demarcada. Isso porque, a partir do Regime Militar, o território indígena foi invadido por mineradores, grileiros de terra e pelas obras de construção da Usina Hidrelétrica de Balbina.
Até a demarcação da terra, três Decretos Presidenciais apresentaram limites diferentes para a terra indígena. O primeiro deles é de 1971, do General Emílio Garrastazu Médici, que excluiu mais de 70% do território tradicional. Médici excluiu da terra indígena toda a área grilada por famílias influentes do estado de São Paulo.
O segundo decreto é de 1981, do General João Figueiredo. Figueiredo devolveu parte da área norte do território, no entanto, ele excluiu mais 526.800 hectares da terra que havia sido invadida pelo grupo de mineração Paranapanema em 1979. A área invadida pela Paranapanema é conhecida como Pitinga e está situada no Município de Presidente Figueiredo no Estado do Amazonas.
O terceiro e último Decreto é de 1989, do Presidente José Sarney.
Sarney também devolveu parte do território indígena Waimiri-Atroari, mas deixou de fora toda a terra invadida pelos grileiros e pelas mineradoras, além da terra inundada pela formação do reservatório da Hidrelétrica de Balbina.
Compensações aos Waimiri-Atroari sobreviventes – Após ser denunciado internacionalmente, o Governo Federal foi obrigado pelas instituições financiadoras da Hidrelétrica de Balbina a criar medidas compensatórias aos Waimiri-Atroari pelos danos causados ao seu território. A primeira providência adotada foi a demarcação, em 1987, por meio de financiamento pela Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A., de uma terra com superfície de 2.585.911 hectares, de conformidade com a proposta delimitatória apresentada por estudos antropológicos realizados por grupo técnico constituído pela Fundação Nacional do Índio que, por pressões políticas, excluiu da terra indígena 526.000 hectares território invadido pela empresa mineradora (a leste) bem como a área que foi grilada por particulares e que seria inundada pela formação do reservatório da hidrelétrica (a sudeste).
A segunda foi a implantação do Programa Waimiri Atroari, em 1988, com ações múltiplas nas áreas de administração, saúde, educação, meio ambiente, apoio à produção, documentação e memória. O objetivo declarado foi o de que os Waimiri-Atroari pudessem preservar dinamicamente sua autonomia cultural, a partir de uma inserção social em bases equilibradas, no contexto da sociedade nacional – o que, infelizmente, não ocorre com a maioria dos povos indígenas no Brasil.
Sob a denominação de Programa Waimiri Atroari iniciou-se, em 1988, uma ação indigenista junto à comunidade indígena conhecida como Waimiri Atroari – habitante ao norte do Amazonas e sul de Roraima -, com o objetivo de oferecer-lhes condições de melhor enfrentar as dificuldades do relacionamento com a sociedade brasileira e atenuar os impactos dos empreendimentos econômicos que atingem o seu território tradicional.
Coube à Eletronorte propor esta ação indigenista, como forma de atenuar os impactos provocados pela interferência do reservatório da UHE Balbina nas terras dos Waimiri Atroari, e que objetiva mitigar grande parte dos problemas provocados pela ação do Estado e de empresas privadas na vida dos Waimiri Atroari.
O Programa Waimiri Atroari foi elaborado por uma equipe multidisciplinar e interinstitucional de técnicos, representando a Funai, a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas, o Instituto de Medicina Tropical de Manaus (IMTM), a Universidade do Amazonas e a Eletronorte, que, além de alocar Técnicos, financiou todos os estudos e ações do Programa. O Programa encontrou os Waimiri Atroari enfrentando sérias dificuldades para sobreviver, num processo de populacional grave: eram aproximadamente 1.500 em 1974 e em 1987 estavam reduzidos a 374 pessoas.
As suas terras não estavam demarcadas nem delimitadas. Estavam apenas “interditadas para fins de atração e pacificação”, depois de terem sido reduzidas em 526.800 ha, cedidos para empresa de mineração. Um processo de dependência econômica à empresa mineradora estava se instalando de tal forma que os sistemas produtivos econômicos dos Waimiri Atroari estavam sendo destruídos.
Doenças como sarampo, malária, verminose, leishmaniose, atingiam toda população Waimiri Atroari.
A Funai, órgão responsável pela política indigenista, enfrentava a mais séria crise de sua história, por falta de recursos financeiros, falta de pessoal e meios para conduzir uma ação indigenista eficaz junto aos Waimiri Atroari. Não dispunha de recursos nem previsão orçamentária para realizar a demarcação das terras dos Waimiri Atroari e sofria pressões políticas para ceder aquelas terras aos interesses de empresas de mineração e madeireiras.
Antes mesmo da implantação do Programa, ainda na fase de estudos, a Eletronorte, como parte das ações mitigadoras sobre os prejuízos provocados pelo reservatório da UHE Balbina, com base em minucioso levantamento por técnicos especializados, indenizou aos Waimiri Atroari os valores correspondentes às suas roças, existentes na área de influência direta, independente de terem sido inundadas ou não.
Foram indenizados os serviços dos Waimiri Atroari pela formação de novas roças e construções de novas aldeias, bem como pelo desmatamento necessário à construção de um dique de proteção do reservatório, dentro da área indígena. Foi custeado, também pela Eletronorte, o apoio necessário à mudança das aldeias Tapupunã e Taquari e a construção de novos Postos Indígenas, em substituição aos atingidos pelo reservatório (Pin Taquari e Pin Abonari).
Em junho de 1988 a Eletronorte assinou com a Funai, o Termo de Compromisso TC-002/87, incorporando ao seu texto o Programa Waimiri Atroari, pelo prazo de 25 anos.
Os objetivos do programa são:
- equilibrar as relações econômicas e culturais entre a comunidade indígena e a sociedade
- garantir o usufruto exclusivo da área demarcada aos índios Waimiri
- melhorar as condições gerais de vida, segundo as aspirações dos próprios Waimiri- Atroarí.
- ampliar a compreensão dos Waimiri Atroari acerca da realidade sócio-política brasileira.
Para viabilizar o Programa foi instalado em Manaus um escritório de apoio que conta, também, com instalações adequadas para abrigo dos Waimiri Atroari, quando vêm a Manaus em busca de solução aos seus problemas e para tratamento de saúde. A gerência do Programa está a cargo da Funai, que nomeou para isso um dos seus indigenistas e mantém, ainda, a serviço do Programa com 6 funcionários, distribuídos entre atividades de apoio e indigenista. Para acompanhar as ações do Programa Waimiri Atroari, foi criado um Conselho Consultivo composto de 3 membros da Eletronorte e 4 da Funai que, trimestralmente, avalia os trabalhos realizados e a programação para o trimestre seguinte.
A demografia dos Waimiri Atroari, que, em 1987, era de 374 pessoas, atualmente está em 1 232 (31 de dezembro de 2007).
Seu índice de crescimento vegetativo, atingiu no final de dezembro de 2007, 5,1% ao ano, um dos maiores do mundo.
Toda a comunidade indígena desfruta de atendimento médico primário que lhe assegura uma cobertura vacinal de cem por cento; de serviço de vigilância epidemiológica no entorno de toda a sua terra; de controle de doenças preveníeis – como malária, infecções respiratórias agudas, diarreias, verminoses e dermatoses. Esses procedimentos propiciaram uma significativa diminuição do seu índice de mortalidade geral.
O número de aldeias aumentou para dezenove. Em nenhuma delas, há registro de casos de alcoolismo nem de outras mazelas causadas por desajustes sociais. O custo de manutenção de todo esse quadro de saúde é de apenas 471,28 dólares estadunidense per capita, ao ano.
Na área de educação, em 2007, houve, entre os Waimiri Atroari, um total de 777 alunos: 402 homens e 375 mulheres, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos, correspondendo a 63,06 por cento de sua população. A faixa etária da maior parte dos alunos vai dos treze aos
trinta anos. 27,7 por cento já são alfabetizados e 17,5 por cento estão no processo de pré- alfabetização.
A construção das escolas obedece a padrões tradicionais de arquitetura, utilizando materiais extraídos da própria terra indígena. Os únicos materiais não produzidos na comunidade são o cimento, o mobiliário e o material escolar. Todas as aldeias mantêm escolas funcionando com a participação de professores indígenas. Isso tem contribuído para uma maior eficiência das atividades didático-pedagógicas, além de ser um passo importante para a afirmação da autogestão Waimiri Atroari.
As escolas são bilíngues e o calendário escolar obedece às atividades culturais da comunidade. Do material didático utilizado, faz parte um livro de alfabetização e um livro de matemática produzidos com a participação de professores indígenas. Um banco de dados é constantemente enriquecido com a gramática da língua nativa para a edição e atualização do material didático destinado a índios e a não índios.
No ano de 1997, o governo federal e os dos estados do Amazonas e Roraima elegeram, como uma de suas obras prioritárias de infraestrutura, a pavimentação da Rodovia BR 174, depois de dezenove anos de sua abertura inicial atravessar a terra Waimiri Atroari em 125 quilômetros. Antes do asfaltamento, a comunidade indígena se antecipou em elaborar um Plano de Proteção Ambiental e Vigilância Territorial. Esse plano visou a atenuar os impactos socioambientais que decorreriam do aumento do fluxo de veículos, bem como da maior complexidade no relacionamento ostensivo entre a população indígena e as pessoas não índias, em trânsito constante pela região, cujo número aumentaria por causa da pavimentação da rodovia.
Trata-se de um fato incomum na história do contato entre brancos e povos indígenas no Brasil: os Waimiri Atroari exigiram diretamente dos governos referidos acima (antes do início das obras de pavimentação) os recursos financeiros necessários à implementação de medidas socioambientais preventivas e mitigadoras.
Os trabalhos de vigilância territorial e ambiental, na terra Waimiri Atroari, têm apresentado resultados satisfatórios. Em seu interior, não há nenhuma ocupação indevida por não índios – seja de missionários, garimpeiros, madeireiros, caçadores ou pescadores.
Um fato que chama a atenção é a farta provisão de alimentos da comunidade indígena. Suas roças são cultivadas seguindo critérios tradicionais de manejo ecológico de solo e da hileia amazônica. O tamanho de suas áreas de cultivo pode chegar a até seis hectares, conforme o maior ou menor número de habitantes por aldeia.
Há, nelas, um cultivo variado de espécies agrícolas e de frutíferas tradicionais. De forma criteriosa, com a assessoria de técnicos do programa, os Waimiri Atroari estão introduzindo algumas espécies novas, através de módulos de observação agroflorestal.
Esses módulos servem para testar a viabilidade das espécies novas ao ecossistema regional e sua adaptabilidade ao modo de vida da comunidade indígena. Para o suprimento de proteína animal, baseado na caça e na pesca, os Waimiri Atroari estão diversificando e ampliando a criação de galinhas, patos, perus, gansos, coelhos, codornas, antas (experimental), capivaras (experimental), porcos-do-mato – caititus (experimental), tartarugas, tracajás e jabutis (experimental), além de um pequeno rebanho de gado bovino.
Desenvolvem também um projeto de piscicultura, mantendo um reservatório onde criam peixes de sua preferência alimentar – como o tambaqui, a matrinxã e a curimatã. Seja pela exploração dos recursos naturais de sua terra, seja pelo incremento de projetos de manejo autóctone, ou mesmo, pela tecnologia da qual se apropriam, os Waimiri Atroari têm usufruído de um excelente quadro nutricional. Toda essa sinergia de fatores traduz a melhoria da qualidade de vida de sua população.
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