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Mãos abençoadas -Parteiras, Benzadeiras e Desmentidores

Por Paulo Almeida Filho

11 de novembro de 2024 às 17:14 Compartilhe

PARTEIRA – A arte de partejar é uma atividade que acompanha a história da própria humanidade. Por muitos milênios foi considerada uma atividade eminentemente feminina.

Tradicionalmente realizada pelas parteiras, que também cuidavam do corpo feminino e dos recém-nascidos. As parteiras eram depositárias de um saber popular que foi produzindo lendas e crendices sobre o corpo gravídico, associadas à natureza. Portanto, durante muito tempo, as mulheres em trabalho de parto eram ajudadas por outras mulheres, que podiam ser do seu ambiente mais próximo (parentes, vizinhas ou amigas), ou mulheres reconhecidas pela sua experiência ou competência para tal acompanhamento – as parteiras.

As parteiras, chamadas tradicionais, são mulheres que prestam assistência a parturientes antes, durante e após seus partos. Tal denominação foi institucionalizada nos documentos oficiais do Ministério da Saúde (MS), e é atribuída a parteiras índias, não índias e quilombolas que atuam na assistência ao parto domiciliar, com base em saberes e práticas tradicionais, tendo o reconhecimento da sua comunidade.

Elas têm papel essencial na saúde reprodutiva das mulheres, “são figuras fundamentais do cotidiano de várias regiões do Brasil e da América Latina, nas áreas rurais, ribeirinhas e indígenas, e também em periferias urbanas”.

Diferenciam-se de outras profissionais de assistência ao parto porque são detentoras de conhecimentos tradicionais sobre os corpos, fazem os trabalhos de assistência ao parto em processos que envolvem solidariedade, dom, parentesco, compadrio, afeto, responsabilidade.

Os saberes são reproduzidos na prática, cada parteira tem um modo subjetivo de aplicar os conhecimentos. Técnicas próprias de cortes de umbigo, formas de endireitar a criança no ventre, colocar no lugar certo para nascer e como posicionar a mulher para o parto são questões integradas à prática e à cultura e variam ao longo do tempo.

A assistência ao parto e ao nascimento no Brasil não é homogênea. Embora a maioria dos partos ocorra em ambiente hospitalar, o parto e nascimento domiciliar assistidos por parteiras tradicionais estão presentes no País, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, sobretudo nas áreas rurais, ribeirinhas, de floresta, de difícil acesso e em populações tradicionais quilombolas e indígenas. A diversidade socioeconômica, cultural e geográfica do País exige, entretanto, a adoção de diferentes modelos de atenção integral à saúde da mulher e da criança e a implementação de políticas públicas que atendam às especificidades de cada realidade, procurando-se considerar o princípio da equidade e resgatar a dívida histórica existente em relação às mulheres e às crianças assistidas por parteiras tradicionais.

Contudo, por não estar incluída no Sistema Único de Saúde (SUS) e nem mesmo ser reconhecida como uma ação de saúde que se desenvolve na comunidade, ocorre de forma precária e em situação de exclusão e isolamento, sem respaldo e apoio da rede de atenção integral à saúde da mulher e da criança. A grande maioria das parteiras tradicionais não recebe capacitação, não dispõe de materiais básicos para a assistência ao parto domiciliar e não é remunerada pelo seu trabalho.

Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL 912/2019) que regulamenta a profissão das parteiras tradicionais e prevê qualificação básica de parteira
tradicional, pelo Ministério da Saúde ou por secretarias estaduais de Saúde, além do pagamento de um salário mínimo. Estabelece ainda que o Sistema Único de Saúde (SUS) fornecerá às parteiras tradicionais todos os equipamentos, os instrumentos cirúrgicos e os materiais de consumo necessários à adequada prestação dos serviços. Além disso, determina que a parteira deverá encaminhar a gestante ou a parturiente para avaliação médica quando for constatada gestação ou parto considerado de alto risco.

O Dia da Parteira Tradicional foi instituído por meio da Lei nº 13.100/2015 e tem como base a comemoração celebrada no estado do Amapá, que já homenageava a categoria em 20 de janeiro – dia do aniversário da parteira tradicional mais antiga de Macapá, Juliana Magave de Souza, nascida em 1908 e que teria realizado cerca de 400 partos. No último dia 5 de maio foi celebrado Dia Internacional da Parteira e o Brasil de Fato conta um pouco sobre os saberes e fazeres desse ofício e sua luta para seguir existindo.

“O ofício de parteira é dos mais antigos da humanidade. Em toda comunidade tradicional, em qualquer lugar do mundo, existe a parteira”

. A tradição, que vem de um saber ancestral, e a ciência, baseada em evidências, são conhecimentos que andam lado a lado quando se fala no trabalho das parteiras. Nayane Cristina, uma parteira que atua no Sistema Único de Saúde (SUS), em Brasília, conta que desde os 4 anos já sabia que a atividade era o chamado dela. E que a história da avó, que teve oito partos em casa, a inspirou.“Eu me lembro muito claramente de ver minha avó no fogão de lenha ali, fazendo comida, fervendo leite, e eu sentada no banquinho, próximo do chão, ouvindo as histórias dela, e aquilo realmente acendeu em mim uma chama de entender que aquele era o meu caminho”. O caminho de Nayane para se tornar uma parteira foi a faculdade de enfermagem e a residência em obstetrícia.

A medicina trouxe avanços que salvam vidas diariamente. Ao mesmo tempo, há beleza em ver que as tecnologias ancestrais persistem. As parteiras tradicionais, aquelas que aprenderam o ofício de forma oral, observando outras mulheres, e que atuam Brasil afora, continuarão a amparar as crianças, nas mãos modernas das mulheres que atendem a esse chamado.

REZADEIRAS / BENZADEIRAS As REZADEIRAS / BENZADEIRAS, são mulheres ligadas à religião e fortemente marcadas pela resistência contra o desaparecimento da sua relevância perante a sociedade, além de articularem sua importância para a comunidade em termos histórico-culturais, sendo ainda uma forma de expressividade da cultura popular.

Sem dúvida, o misticismo popular vem desde o Brasil Colonial, quando o povo se valia das crendices e fórmulas naturais em busca de melhorias na luta contra as enfermidades, diante da precária assistência à saúde. Assim, de acordo com os costumes e levado pelo limiado conhecimento cientifico disponível na época, o homem une os recursos da natureza à própria fé, dando inicio a uma variada farmacopeia composta de melzinhas, garrafadas, infusões, chás, amuletos e oferendas aos santos para tratamento médico.

A essas crendices se misturaram os traços culturais e religiosos das três raças que formaram a etnia brasileira, resultando em receitas, habilidades e sabores que se perpetuaram oralmente, passando de pai para filhos de geração a geração.

Ainda hoje, em qualquer parte do Brasil, principalmente no Nordeste rural, é possível encontrarmos pessoas dispostas a exercer seus conhecimentos dando assistência às aflições físicas, existenciais e espirituais. Essas pessoas carregam consigo uma áurea misteriosa que inspira respeito e confiança aos que as procuram. Dependendo da maneira como são usados esses saberes, numa mistura de dom, solidariedade e oficio, é possível identificar tipos e denominações diferentes em relação as suas características de atuação.

Rezadeiras e Benzadeiras são denominações distintas para designar quase o mesmo oficio. Porém segundo o livro Rezas, benzeduras e simpatias, a diferença é que benzedeiras são em geral mulheres mais solicitadas para prestação de serviços e muitas vezes são as únicas parteiras do lugar. Por ser uma função exercida em geral por mulheres, é sempre referida no feminino.

As bezendeiras e rezadeiras, ou simplesmente as curandeiras tem como atividade a reza, o qual são realizado as preces junto a gestos e o uso de algumas plantas ou ervas, num ritual que visa proporcionar a cura e o bem-estar da pessoa doente. Muitos acreditam que tal ação é folclore, mas já existem muitas pesquisas cientificas no campo da espiritualidade na prática clinica o qual visa seus efeitos da cura pela fé. A reza é vista como um importante elemento na cultura popular brasileira, e ela possuem suas origens no sincretismo religioso

DESMENTIDORES DESMINTIDORES – Significado de Desmentidura. Substantivo feminino [Brasil] Regionalismo. Deslocação de osso (ou articulação); qualquer tipo de contusão; luxação.

Você já caiu e não tinha nenhum tipo de remédio para usar na luxação?

As distensões musculares são mais comuns do que imaginamos. Na Amazônia, a distensão é conhecida como desmentidora ou rasgadura. Ela acontece quando um músculo é esticado demais, dessa forma, acontece o rompimento de suas fibras e afeta os tendões. Causando um incômodo e/ou dor intensa.

Encantados são seres híbridos, “espiritualidade” nem totalmente do mundo dos vivos, tampouco completamente do mundo dos mortos.

Este estudo debruça-se sobre práticas de cura com base nas experiências de uma moradora do Mocambo do Arari-Parintins – Amazonas, trazendo a relação entre ela e estes seres, por intermédio da história oral.

Os resultados apontam para a potência da fé amalgamada pelo encontro de saberes africanos, indígenas e europeus, pensando como os saberes populares articula-se a questões sociais, econômicas e indenitárias.

Destaca-se a potência da mulher como construtora da cura, do bem-estar subjetivo, por meio de práticas como a benzeção, o partejamento e recebimento de saberes ditados pelos encantados.

HOMENAGEM ESPECIAL A WALDIR VIANA

“Onde caiu Camilo nasceu uma cruz; não de madeira e sim de luz”. Victor Jara

Assim fora decantado um dos mais conhecidos Curadores Populares de Parintins – Waldir Martins Viana. Nascera em 1910, de Domingos Viana e Maria Martins Viana. Era o mais velho entre os dez irmãos. Seus pais, de origem nordestina, dedicaram-se à pecuária de subsistência, experiência passada ao filho, tornando-se, assim, médio pecuarista do município de Parintins. Do casamento com Sílvia Barbosa nasceram sete filhos.

Segundo relatos da família, Waldir acalantava o sonho de estudar medicina ortopédica, no entanto, para a época, “o valor do homem” (concepção paterna) residia no acúmulo de bens. Assim, não investira esforços para oferecer ao filho oportunidades de realizar o sonho. Na busca pelo sonho, ainda jovem fugira para Itacoatiara /AM, mas fora resgatado pelo pai. Aos 17 anos, passou a frequentar sessões espíritas coordenadas por “Tia Nicota” (única referência). Descobrira ali outra via para agasalhar a utopia frustrada.

Nas experiências adquiridas com “Tia Nicota” desenvolveu conhecimentos de cura sobre picadas de cobra e ferradas de arraia. Posteriormente, com apoio de seu irmão de leite – o médico Dr. Arnaldo Prado – realizou estudos ortopédicos na cidade de Belém/PA, em cadáveres de indigentes não identificados, deixados em valas apropriadas para esse fim.

Aos 40 anos, sua vida toma novos rumos. Na época, Parintins contava com limitada assistência médica. Assim, a partir das experiências adquiridas em saúde natural, pessoas de classes sociais diversas passaram a procurá-lo. Seus cuidados somados à fé dos adoecidos devolviam-lhes a saúde. Por essa via de reconhecimento, a “fama” de Waldir se espalhara em Parintins, municípios vizinhos, no Estado e em outras regiões do País. A maior procura por seus cuidados relacionavam-se a fraturas ósseas, picadas de cobra, ferradas de arraia, coluna vertebral e males do cotidiano. Ervas de nossa flora e orações específicas constituíam a base de suas terapias. Dentre as principais fórmulas curativas desenvolvidas por Waldir, destaca-se o suco do paracari, erva da região utilizada como antídoto a peçonhas de ofídios, escorpiões, aranhas e arraia.

A atenção aos adoecidos acontecia em sua residência, propriedade rural, denominada Redenção, situada na Comunidade Parananema, área próxima à cidade. E quando solicitado, socorria-os na casa destes com total zelo e solidariedade. Waldir portava também excelente senso de humor. Durante as terapias não usava anestésicos e para distrair a atenção dos pacientes contava-lhes causos fantásticos como recurso terapêutico. Logo, era comum denominar-se „Viana‟ ou „Vianas‟ as histórias fantasiosas da Ilha.

Outra particularidade desse Curador: tinha domínio sobre ofídios venenosos. Conta-nos Rai Viana, filho de Waldir, 65, professor, residente em Parintins que, certa vez, o Pai entrara num barco ancorado no porto de sua propriedade. Observou ali um surucucu enrolado. Aproximou-se para retirá-lo, o animal, porém, reagiu. Questionou-se sobre o que havia de errado. Descobriu um molho de chaves preso ao cinto o que, deduziu, neutralizar seu domínio sobre a cobra. Desfez-se das chaves e, sem problemas, retirou dali a surucucu. Não tinha explicações lógicas para o fato. Sabia apenas que o metal “atrapalhava” aquela relação.

Lembrara também outro fato: Rai e mais um grupo de trabalhadores roçavam um campo na comunidade Zé Açu, interior de Parintins. Em meio ao trabalho, encontraram numa moita marimbondos furiosos, impedindo-os de realizar o trabalho. Waldir se aproximara questionando o porquê daquela moita intacta. Retrucaram, alegando a ferocidade das cabas. Rapidamente, tirou o chapéu, colocou-o na cabeça do filho alegando que precisava protegê-lo do sol excessivo. Em seguida, pai e filho realizaram a roçada na moita, sem problemas. Inexplicavelmente, as cabas se aquietaram como se estivessem hipnotizadas.

Para alguns médicos do serviço oficial de saúde as práticas curativas de Waldir eram interpretadas como charlatanismo. Em contrapartida, Rai Viana referendou o apoio inconteste ao Pai pelo médico pernambucano Dr. Romualdo Correa, residente em Parintins, há mais de 50 anos. Durante o funeral, Dr. Romualdo, emocionado, externara seu pesar por não ter “bebido mais daquela fonte de conhecimento popular em saúde”.

Este Homem de Luz também fora destaque nas mídias do estado do Amazonas, em toadas dos bumbás Garantido e Caprichoso por ocasião do Festival Folclórico de Parintins, entre 2002 a 2007, além de reverências honrosas, sempre acatadas com simplicidade.

Faleceu em junho de 2005, aos 95 anos, deixando provas de que a ciência oficial tem muito a aprender com esses Anônimos em cujos desejos de ampliar o direito à vida, desenvolvem seus dons curativos e os colocam a serviço de todos, indiscriminadamente.

Esta musica, está disponível no site do YOUTUBE.

Espero que tenham gostado.

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