Em mais uma semana, a Reforma Tributária ganha espaço entre as notícias que envolvem o governo federal.
Cientes desse avanço, alguns setores políticos e os nossos representantes estaduais parecem ter tomado consciência sobre os reais riscos dos impulsos do Executivo federal.
Ao mesmo tempo, o STF não esconde seu viés político e abre espaço à intenção arrecadatória da União. Enfim, há tantas coisas acontecendo e elas exigem a atenção da classe empresarial sobre o futuro próximo. Vamos lá.
REFORMA TRIBUTÁRIA: HÁ UMA TERCEIRA VIA?
Com o fortalecimento do tema, a Reforma Tributária começa a preocupar e a incomodar alguns setores.
Dentre as propostas em tramitação no Congresso, ganham bastante destaque as PECs 045/19 e 110/20, a primeira na Câmara dos Deputados e a segunda no Senado Federal. Em ambas, há o discurso sobre a simplificação do sistema tributário brasileiro, a fim de atrair novos negócios ao país, fortalecer a indústria nacional e facilitar a vida do contribuinte, soluções que seriam alcançadas com a concentração de tributos e a redução de normas e obrigações associadas aos chamados tributos sobre o consumo (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS).
A PEC 110/20 vai além, incluindo nessa concentração o IOF, a CIDE-Combustíveis e o Salário-educação.
O sistema tributário brasileiro é de fato complexo, onerando além do necessário qualquer operação que se realize no país (indústria, varejo, serviços etc.), motivo por que precisa de uma solução viável.
O tema é discutido há várias décadas, mas sempre esbarrou na divergência de interesses. No cenário atual, parece que não será diferente.
As mencionadas PECs 045 e 110, ao mesmo tempo em que pregam a simplificação, trazem insegurança a vários setores, como o de serviços, que deve ter a tributação aumentada, os municípios, que receiam perder autonomia com a perda da arrecadação direta e o repasse pelos estados, bem como os atuais regimes diferenciados de tributação, como é o caso da Zona Franca de Manaus, ameaçada de morte pela PEC 045.
Por isso, é natural que as reações surjam.
Com o patrocínio da Frente Nacional de Prefeitos – FNP e da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais – ABRASF, há uma terceira proposta ou terceira via, a PEC 046/22, cuja frase de efeito é SIMPLIFICA JÁ (https://simplificaja.org.br/).
Seus defensores entendem que a proximidade das PECs 045 e 110 ao IVA – Imposto sobre Valor Agregado trará problemas ainda maiores ao país, citando como exemplos: a perda de arrecadação pelos municípios, a sobrecarga do setor público, fundos bilionários de responsabilidade da União, o aumento desarrazoado da tributação de alguns setores e o sacrifício de algumas regiões do país em benefício de outras.
As soluções propostas pela PEC 046 consistem em:
- Cobrança não-cumulativa do PIS e da COFINS;
- Desoneração parcial da folha de pagamento às empresas que mais empregam;
- Unificação das 27 leis de ICMS do Brasil em uma lei complementar, com a criação de um comitê gestor nacional do imposto;
- Unificação das milhares de leis municipais de ISS, também com a criação de um comitê gestor nacional do imposto.
Há outras soluções indicadas pela PEC 046. As listadas acima são, contudo, as que mais se destacam e parecem, de fato, primar pela simplicidade.
Então, por que não é esta a proposta preferida do governo federal? Por que sua tramitação não é tão comentada como as demais?
Importará ao Executivo federal a proposta que lhe render maior capital político. Também importará aquela que representar a maior arrecadação à União.
Nesse contexto, a proposta do governo federal, prometida para abril deste ano, deve tentar harmonizar os interesses divergentes, mas sem perder as motivações citadas acima. Aí, sabemos que o jogo político deve prevalecer, com as emendas parlamentares, indicação a cargos e demais artifícios de um mundo que a maioria dos brasileiros não domina.
Do lado de cá, ou seja, a Zona Franca de Manaus, parece que finalmente os representantes locais entenderam a gravidade da situação, com a admissão do Governo estadual de que a reforma será ruim à ZFM em todos os cenários.
Por que não pensaram nisso antes? Terão tempo para articular o salvamento da ZFM, ainda mais com uma bancada reformulada pela metade na Câmara dos Deputados? O Governo estadual forçará uma aproximação com o Presidente? Enfim, são perguntas que desafiam respostas urgentes.
Vale lembrar que, hoje, no Ministério da Fazenda, o cargo de Secretário Especial da Reforma Tributária é ocupado pelo economista Bernard Appy, paulista que, publicamente, combate o modelo da Zona Franca de Manaus. É dele também a ideia condensada na PEC 045/19, a mesma que prega o fim da ZFM.
Ou seja, uma zona cinzenta e nenhum pouco franca paira sobre a capital e sobre o estado do Amazonas. Ao mesmo tempo, a defesa da ZFM por ela mesma pode não ter mais força.
O modelo trouxe benefícios ao estado, seja sob o aspecto ambiental, aumento de circulação financeira e o destaque de sua economia entre as principais do país.
A própria Receita Federal do Brasil, também historicamente contrária ao modelo, divulga dados anuais, reconhecendo como sendo a maior arrecadação federal da Região Norte a alcançada no Amazonas, mesmo com todos os benefícios tributários da Zona Franca e com a economia diversificada que detém o estado do Pará.
Ocorre que o modelo é antipático ao país, o que se tornou muito claro com os decretos de IPI do ano passado. O discurso recorrente é que a ZFM faz a indústria e a economia do país perderem oportunidades.
Temos um capital político modesto, considerando o número de eleitores e de representantes na Câmara dos Deputados.
O que resta é negociar um tempo de vida para o modelo ZFM e pensar na diversificação da matriz econômica do Amazonas, a partir do fortalecimento de setores que lhes sejam estratégicos, com indústrias voltadas à exploração responsável da floresta, um turismo realmente preparado para crescer, atividades de mineração e outras que possam atender às vocações regionais de forma não predatória.
É claro que precisamos da manutenção da Zona Franca de Manaus por um tempo, sem o esvaziamento de seus benefícios. Mas também precisamos da responsabilidade dos nossos governantes e representantes em compreender que este tempo será um preparatório para o fim, abandonando a perpetuidade sempre defendida e trabalhando no fortalecimento de outros setores que possam trazer prosperidade à região. Isso será possível?
O FIM DA COISA JULGADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
A ameaça se confirmou. Ao longo das últimas semanas, os Ministros do STF decidiram que a mudança de posicionamento do Supremo sobre assuntos tributários provoca a revisão automática de decisões anteriores que sejam contrárias ao novo entendimento, ainda que tenham alcançado o trânsito em julgado.
E o pior: empresas que estavam autorizadas a não recolher certo tributo sofrerão com a cobrança retroativa, a contar da mudança de posicionamento da Corte. No caso concreto, as empresas que tiveram suas decisões revistas terão que recolher a CSLL desde 2007 até hoje.
Trata-se de uma inovação, não suportada por qualquer lei processual vigente no país.
Ainda que o STF tenha por fim preservar a Constituição, a leitura dos votos vencedores chama a atenção pelo zelo excessivo aos princípios constitucionais, sem trazer muita clareza a respeito de qual artigo da constituição teria sido diretamente preservado.
Considerando a essência política do Tribunal, parece que o viés também político predominou na decisão. Além de pôr um fim à segurança jurídica de quem procura a Justiça, são claros dois outros efeitos: o freio na avalanche de ações e teses tributárias submetidas à Justiça brasileira, vencidas, na maioria pelos contribuintes, ao mesmo tempo em que acenou, positivamente, ao anseio arrecadatório da União, cada vez mais claro a partir de manifestações do Ministro Haddad.
ATENÇÃO: AUMENTO DA ALÍQUOTA BASE DO ICMS NO AMAZONAS.
Dando um tempo ao cenário federal, vamos prestar atenção no aumento do ICMS em operações realizadas no estado do Amazonas.
Em 29/12/2022, foi publicada a Lei Complementar estadual nº 242, que aumentou a alíquota-base do ICMS de 18% para 20%.
Não há impedimento no aumento promovido, se ele obedecer aos princípios constitucionais da anterioridade tributária e da anterioridade nonagesimal, previstos no art. 150, III, letras b e c, da Constituição Federal.
No caso comentado, a anterioridade tributária não se aplica porque a Lei Complementar foi publicada ainda em 2022, permitindo a cobrança no ano seguinte.
Já por anterioridade nonagesimal, entende-se que a mesma deve influenciar a vigência da LC 242/22. Essa disposição constitucional veda cobrar tributos “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. Como a LC 242 foi publicada em 29/12/2022, seus efeitos, para o fim de aumento de alíquota, prevalecem após 29/03/2023.
A própria SEFAZ/AM publicou a Ordem de Serviço GSER 001/2023, fixando o seguinte: “O art. 1º, I, da Lei Complementar n. 242, de 2022, produzirá efeitos a partir de 1º de abril de 2023”.
Portanto, a alíquota base de ICMS no Amazonas passa a ser de 20% a partir de abril deste ano. Se o seu produto não está tributado com alíquotas específicas, é importante observar isso.
** Pedro Câmara Junior – Formado em Direito pela UFAM. Pos-graduado em Direito Civil (UFAM), Direito Tributário (FGV), em Pensamento Disruptivo/ Inovação (Nova SBE – Portugal). Certificado para Membro de Conselhos de Administração (IBGC). Advogado desde 1998, nas áreas de Direito Societário, Tributário e Administrativo.
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