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Persiste a Segurança Jurídica nas Decisões Judiciais?

Por Pedro Câmara

14 de março de 2023 às 12:20 Compartilhe

Para quem é do segmento jurídico, fica fácil perceber os riscos da decisão adotada, neste ano, pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de reverter decisões judiciais que não poderiam mais ser discutidas (o famoso “trânsito em julgado”).

 

Mas é importante que todos os contribuintes saibam a extensão do novo entendimento e o quanto nocivos podem ser seus efeitos. Vamos lá.

 

Quem busca a Justiça e expõe uma tese corre o risco da mesma ser aceita ou não.

 

Em particular, os assuntos tributários são estritamente técnicos, sendo decididos, muitas vezes, com base em perícia judicial, onde um expert demonstra ao magistrado se o pedido defendido pelo contribuinte tem cabimento ou não.

 

Uma tese tributária inicial encontra um longo caminho, desde o Juiz de primeira instância até chegar à análise do Tribunal Superior competente.

 

Em geral, são embasadas em falhas da Lei ou em entendimentos que o Fisco constrói na intenção de arrecadar mais.

 

Explico: dentro do complexo sistema tributário do Brasil, os Fiscos de todas as instâncias criam regras por meio de instruções normativas, pareceres vinculantes e outras “normas”, que passam a ser obrigatórias aos auditores em seus julgamentos administrativos.

 

Tais “normas” existem sob a justificativa de esclarecer o que a Lei quis dizer e como a mesma deve ser empregada. Em resumo, podem servir como um caminho nada imparcial para obrigar o contribuinte a recolher mais do que deveria.

 

O efeito dessa “legislação administrativa” respinga sobre as empresas, que passam a observar essas normas construídas no interesse da Administração, até conseguirem na Justiça uma decisão que contrarie o entendimento do Fisco. Daí a função de advogados especialistas (muitas vezes em parceria com contadores) discutirem essas normas.

 

No final, cabe à Justiça decidir com quem está a razão.

 

Algumas dessas teses levam anos até alcançar uma jurisprudência que prevaleça, seja para reconhecer que há falha ou lacuna na Lei, seja para asseverar que o Fisco exagerou em seu entendimento normativo.

 

Essas questões se encerram com as análises do:

 

 

Da vez que esses Tribunais Superiores batem o martelo a favor dos contribuintes, todos aqueles que se encontram na mesma situação correm até a Justiça para alcançar o mesmo direito. Nada mais justo.

 

O importante disso tudo é que a construção de uma tese tributária passa por regras admitidas em toda a Justiça, presumindo-se que os entendimentos da Lei ou da Constituição foram preservados com a decisão definitiva em um processo judicial.

 

Assim, o contribuinte que ganhou a ação fez tudo correto, teve seu direito garantido e encontrou a tão sonhada segurança jurídica, isto é, nada mais pode perturbá-lo sob o aspecto definido pelo Poder Judiciário.

 

Ocorre que isso mudou com a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao julgar os temas 881 e 885, vinculados aos Recursos Extraordinários nº 949297 e 955.227, no início de fevereiro deste ano.

 

A partir daí, se o STF mudar o entendimento a respeito de um assunto tributário (e apenas tributário – ou seja, onde o bolso do Poder Público interessa), aquela decisão judicial que não mais poderia ser discutida perderá seus efeitos automaticamente, mesmo que isso ocorra anos depois da consolidação de uma tese, obrigando o contribuinte que estava protegido pelo selo da Justiça a recolher o que estava autorizado a não recolher, correndo o risco, ainda, de ter que responder por parte do passado em que sua decisão prevaleceu.

 

Esse entendimento vale para os casos em que há repercussão geral, ou seja, técnica processual que alcança os demais processos em curso na Justiça com o mesmo tema (causa de pedir) e o mesmo pedido.

 

Mas para se ter ideia do quão longe foi a decisão do Supremo, importa esclarecer que uma matéria deste tipo, a do rito do processo civil, é disciplinada por lei federal, melhor dizendo através do nosso Código de Processo Civil, que, por sua vez, não prevê a mudança de jurisprudência de um tribunal como causa para rever os efeitos de uma decisão que já havia sido definida pela própria Justiça.

 

Aí você pode perguntar: o Supremo não regula apenas a Constituição? Como pode intervir em uma matéria que cabe à lei disciplinar?

 

Afinal, quantas questões tributárias foram levadas ao STF e seus ministros decidiram que não caberia a análise daquela Corte por comportar matéria infraconstitucional, ou seja, regulamentada por lei? Por que neste caso foi diferente?

 

A análise da decisão revela que os Ministros do STF foram além do aspecto puramente jurídico, ou melhor, do texto constitucional, flexibilizando os efeitos do trânsito em julgado em matéria tributária com base em princípios que inspiram a Constituição. Ou seja, não há indicativo de um dispositivo constitucional expresso que realmente tenha sido protegido pelo olhar da Corte.

 

Situações como essa deixam clara a conveniência política de algumas decisões do STF, em tempos de aliança ao Governo Federal, que por sua vez tem uma declarada fome arrecadatória.

 

Ministro Luís Fux foi a público escrachar a decisão tomada por sua CorteReconheceu os perigos que seus efeitos podem deflagrar, justamente por desrespeito ao instituto da segurança jurídica. Em seu favor, contudo, resta apenas a sua iniciativa em tentar delimitar no tempo os efeitos da decisão (ele foi um dos cinco ministros que votou pela modulação, instituto que poderia limitar a cobrança tributária aos últimos 05 anos). De toda forma, ele foi conivente e deu seu aval à essência do caso: “o fim ou a flexibilidade da coisa julgada tributária”.

 

O efeito dominó foi deflagrado.

 

O STJ correu para aplicar a mesma tese, no âmbito da sua competência: decidiu, por exemplo, que cabe a cobrança do IPI para estabelecimentos revendedores de produtos importados, revertendo decisão dada a favor de um sindicato patronal, cujo trânsito em julgado ocorreu em 2015. Neste caso, seus ministros ao menos decidiram limitar os efeitos desta decisão, evitando um estrago completo.

 

Vale lembrar que as principais teses tributárias sobre a Zona Franca de Manaus tramitam no STJ, ou seja, são infraconstitucionais, não havendo entre elas o efeito de “recursos repetitivos”, status equivalente ao da “repercussão geral” do STF.

 

De toda forma, é importante monitorar e aguardar para ver como aquele tribunal vai se comportar a respeito de temas que podem atingir diretamente a economia da nossa região.

 

Quantas teses mais serão derrubadas automaticamente? Quantos outros contribuintes que estavam tranquilos em suas operações serão surpreendidos com o contingenciamento de valores para suportar dívidas tributárias que sequer sonhavam ter?

 

Independentemente de haver ou não justiça no novo senso do Supremo, o resultado não poderia ser outro: as empresas com ações tributárias estão em polvorosa, preocupadas com os próximos passos dos Tribunais Superiores, sem saber se o que foi considerado um direito será transformado, daqui para frente, em uma obrigação bastante onerosa.

 

Nesse cenário, caberá às empresas cobrar dos seus advogados tributaristas um monitoramento sério, a fim de avaliar reais riscos com base em temas que possam ser reapreciados pela Justiça no médio e no longo prazo. Identificados os riscos, o profissional jurídico deverá sentar com seu cliente e analisar com profundidade quais medidas podem ou devem ser adotadas para suavizar os efeitos financeiros de uma reversão pelo STF ou pelo STJ.

 

No momento, o que importa esclarecer é que não há um efeito imediato do julgamento do STF sobre todos os processos tributários, indistintamente. É necessário avaliar o tema discutido, a

causa de pedir, o pedido para, aí sim, avaliar alguma mudança significativa de entendimento pelos Tribunais Superiores, capazes de atingir as ações que manejaram.

 

Particularmente, insisto no viés político da decisão: em um só tempo, o STF agiu em auxílio à arrecadação federal e tentou pôr um freio em novas ações tributárias, considerando um histórico de grandes vitórias pelos contribuintes. Por isso, fica sim um gosto de injustiça no prato servido por quem deveria promovê-la.

 

Na linguagem da esgrima, touché!

 

TEMAS TRIBUTÁRIOS ESPECÍFICOS

 

 

Há um aspecto muito interessante do Direito que poucos percebem: ele acompanha todas as modernizações que a sociedade comporta, em uma adequação constante.

 

Não poderia ser diferente com os aplicativos e suas funcionalidades.

 

Um juiz federal da seção do Rio de Janeiro/RJ concedeu a um restaurante que usa a plataforma Ifood o direito de excluir da base de cálculo do PIS e da COFINS a comissão que o mesmo paga ao aplicativo, por sua intermediação na venda e na entrega do produto.

 

O magistrado compreendeu que a parcela da comissão não compõe a receita do restaurante, uma vez que não circula em seu caixa, sendo recebida diretamente pelo Ifood. A comissão, no caso, varia entre 12 e 30% do valor da venda.

 

O juiz utilizou o conceito de receita, termo jurídico que abrange resultados financeiros de uma empresa e que serve de base de cálculo para as referidas contribuições.

 

A decisão é um marco, pois serve de precedente a todos os restaurantes que utilizam não apenas o Ifood, mas também as demais plataformas de delivery de comidas, permitindo-lhes pleitear o mesmo direito perante a Justiça.

 

Se este é o seu segmento, avalie a oportunidade de reduzir sua carga tributária e obter resultados ainda mais lucrativos.

 

Vale dizer que a decisão foi dada apenas em primeira instância, sendo recomendável acompanhar seu desenrolar perante as próximas instâncias.

 

 

O Supremo Tribunal Federal, em abril de 2021, decidiu não haver incidência de ICMS quando a circulação de mercadorias ocorrer entre estabelecimentos do mesmo titular. O entendimento é que não se configura, neste caso, uma operação de comércio, não se justificando, portanto, a incidência do imposto.

 

No Senado Federal, inclusive, tramitou o Projeto de Lei nº 332/2018, no mesmo sentido, isto é, para deixar clara a não incidência. O projeto, contudo, foi arquivado com o final da legislatura de 2018 a 2022.

 

Apesar de ser um aceno positivo aos contribuintes, o julgamento ainda depende de uma conclusão sobre os créditos de ICMS gerados com essas operações.

 

O julgamento foi suspenso na última semana, com a solicitação do Min. Alexandre de Moraes de vistas dos autos. Até aqui, há um placar de 4 x 4, com diferentes ideias sobre os efeitos da decisão:

 

 

 

O resultado definitivo sobre os créditos de ICMS será divulgado nesse informativo assim que o STF alcançar uma conclusão.

 

 

 

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que incide a contribuição previdenciária sobre o vale-transporte e o vale-alimentação.

 

Os ministros consideraram que os dois auxílios, quando descontados dos empregados/ colaboradores, devem ser tributados.

 

Esta decisão mais recente segue a jurisprudência do próprio Tribunal Superior, que já havia decidido a incidência previdenciária sobre o auxílio-alimentação concedido por meio de tíquetes, reconhecendo sua natureza salarial.

 

 

O CARF, por um voto de qualidade (ou seja, dado por um auditor fiscal, que preside uma turma paritária), decidiu neste mês de fevereiro que os tributos com exigibilidade suspensa devem ser adicionados à base de cálculo da CSLL.

 

O voto de qualidade manteve o recorrente entendimento da Receita Federal, com base na Lei 9.249/95, de que os tributos com a exigibilidade suspensa se assemelham a provisões, as quais não estão incluídas dentre as hipóteses de dedução do tributo.

 

Para demonstrar como a questão é antiga, vejamos essa decisão de AGO/2020:

 

Ocorre que o comparativo às provisões é uma construção da própria Receita Federal, a partir de seu viés arrecadatório, pois não há no texto da mencionada Lei esse entendimento expresso.

 

O foco da notícia condiz ao uso do voto de qualidade como critério de desempate, retomado por medida provisória pelo atual Governo Federal. Se o critério anterior permanecesse, isto é, a dúvida aplicada a favor do contribuinte, possivelmente o entendimento em destaque não prevaleceria, justamente pela ausência de lei expressa no sentido defendido pelo Fisco.

 

O fato é que, aos poucos, o governo federal vai alcançando seus objetivos de aumentar a arrecadaçãotributando com maior rigor as empresas.

 

** Pedro Câmara Junior – Formado em Direito pela UFAM. Pós-graduado em Direito Civil (UFAM), em Direito Tributário (FGV) e em Pensamento Disruptivo/ Inovação (Nova SBE – Universidade de Lisboa, Portugal). Certificado para Membro de Conselhos de Administração (IBGC). Advogado desde 1998, nas áreas de Direito Societário, Tributário e Administrativo.

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