I) Introdução
Terminada a COP28, volta-se a discutir como avaliar os resultados concretos das ações já empreendidas e as que precisam ser tomadas para se frear o aquecimento global, e dadas também as urgências em relação à fome e necessidade de desenvolvimento de países economicamente vulneráveis, uma medida do quanto a sustentabilidade ambiental e social podem também impulsionar um novo modelo de crescimento. Neste sentido, pode-se dizer que uma das principais contribuições nacionais para que se tenha uma métrica para este tipo de avaliação vem do “Observatório de Bioeconomia”, vinculado ao Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas.
No relatório “Transição Verde: bioeconomia e conversão do verde em valor”, apresentado pelos pesquisadores Daniel Vargas, Talita Pinto e Cicero Lima em julho deste ano, faz-se uma síntese das três diferentes concepções de bioeconomia encontradas nos esforços acadêmicos para definir bioeconomia (bioecológica, biotecnológica, e dos biorrecursos), que podem ser muito bem considerados 3 conjuntos fundamentais de variáveis complementares, e a partir delas esmiuçar as alternativas de métricas presentes no System of Environmenal-Economic Accounting Central Framework (SEEA) – do PNUMA-ONU, 2012 – e avaliar diferentes planos de bioeconomia no mundo. Concentram uma gama enorme de informações fundamentais para se implementar uma política pública efetiva para o estabelecimento de um projeto de Economia Verde bio-based, capaz de proporcionar um belo ponto de partida para que toda a discussão sobre sustentabilidade, acordos internacionais, definição de oportunidades e prioridades que sejam viabilizadas.
O Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia é um centro multidisciplinar que, além do FGV Agro, possui pesquisadores e professores das áreas de direito, economia e administração pública, voltado para estudos em torno da transição para uma economia de baixo carbono. Nele há investigações sobre financiamento produtivo, análise de risco econômico e ambiental e impacto de políticas públicas, e atualmente se dedica especialmente a estudos sobre a Amazônia Brasileira.
Nesta discussão em torno deste seu relatório apresentado em julho último começarei pela apresentação de como concebe bioeconomia a partir das três dimensões já citadas, para em seguida reconstruir algumas conexões com o SEEA. A partir disso serão trazidas as diferentes propostas predominantes de política bioeconômica – União Europeia, China e Estados Unidos -, concluindo com as alternativas que e estudo traz para o Brasil, que já possui várias coisas em curso, e que atualmente está sendo consolidado como um Plano de Bioeconomia brasileiro.
II) As três dimensões da Bioeconomia
Tomando por base a revisão sistemática publicada em 2016 por Markus Bugge, Teis Hansen e Antje Klitkou, do Nordic Institute for Studies in Innovation (Oslo), que apresentam um panorama geral das diferentes concepções de Bioeconomia trabalhadas em pesquisa até então, Vargas, Pinto e Lima adotam 3 dimensões da abordagem sobre sustentabilidade do uso dos recursos biológicos: bioecológica, biotecnológica e dos biorrecursos (ou, de substituição). Apesar de consistirem em três formas distintas com que o termo foi usado, estas dimensões podem ser pensadas em conjunto e, como veremos mais adiante, as duas últimas podem ser vistas como alternativas à primeira, que satisfazem as demandas ambientais, sociais e econômicas.
A abordagem bioecológica é fundamentalmente baseada em todo histórico de debate ambiental conservacionista, predominante antes da Rio 92, que prega uma redução do crescimento econômico linear (uso indiscriminado dos recursos naturais e geração insustentável de resíduos). A análise econômica desta visão está voltada para quantificação e precificação dos serviços ecossistêmicos, com os impactos financeiros do desmatamento e da poluição, e na concessão de incentivos através de mecanismos como créditos de carbono e biocréditos.
A dimensão biotecnológica concentra-se no potencial produtivo do conhecimento científico em biotecnologia, como produção de medicamentos, insumos agrícolas, materiais mais eficazes. Trata-se de uma pegada de viés neoschumpeteriano, da inovação, focado no estabelecimento de novas trajetórias tecnológicas capazes de proporcionar lucros extraordinários a partir da pesquisa científica. Pode-se dizer que está mais preocupada com as possibilidades de negócios que a preservação do meio ambiente viabiliza, e que os agentes econômicos naturalmente irão compreender a importância da sustentabilidade observando oportunidades que a natureza proporcionam, atentando para os impactos negativos provocados pelas mudanças climáticas e escassez, na medida em que recursos genéticos tornarem cada vez mais raros, por exemplo.
A bioeconomia dos biorrecursos avalia a capacidade de substituir fatores de produção de origem fóssil ou mineral, e mitigar a geração de resíduos na produção e consumo através do princípio da Economia Circular, com o reaproveitamento do que resta ao se produzir e do que foi consumido. Trata-se de uma estratégia neoinstitucionalista, que não desconsidera os potenciais de ganho com o desenvolvimento científico de novos insumos, mas acredita que a substituição ocorrerá através de regulações, do estabelecimento de novos parâmetros institucionais limitadores e incentivos que orientarão o comportamento dos agentes econômicos; estes perceberão alternativas de ganho ao longo de um processo sob governança do Estado.
Em uma reflexão aqui que pode girar em torno do estudo apresentado em meados deste ano, os dois últimos eixos claramente tem como referência o problema do esgotamento e da subutilização dos recursos naturais, de modo que estão respondendo às questões colocadas pela bioeconomia bioecológica. Mesmo o primeiro, possui questões econômicas intrínsecas, como o fato que o turismo em praias e regiões serranas tem como pré-requisito as condições naturais – ninguém vai à praias poluídas, nem à montanhas climaticamente inóspitas ou que não apresentam características naturais singulares -, logo, a bioeconomia bioecológica também tem suas variáveis próprias, além das duas últimas dimensões. Esta questão da mensuração, fundamental para a prospecção de políticas públicas e estratégias de desenvolvimento sustentável, é o foco da próxima sessão.
III) Como medir a Bioeconomia? E o que medir?
A tarefa de medir os ativos ambientais, a renda gerada a partir da preservação ou manipulação genética dos recursos naturais, da substituição por insumos biológicos e condições de renovação dos mesmos, isso tudo precisa ser medido. Como apresentado no segundo parágrafo, as Nações Unidas apresenta um parâmetro para que estas questões tenham indicadores próprios no Sistema de Contas Nacionais, o System of Environmenal-Economic Accounting Central Framework – SEEA, que orienta a construção de dados agregados para a apropriação destas informações no cálculo do Produto Interno Bruto. O IBGE já deu já deu os primeiros passos para a construção de indicadores macroeconômicos ambientais nacionais (contas satélite ambientais), a partir de um projeto de lei de 2017 que estabelece tal objetivo, e o próprio “Observatório de Bioeconomia” apresentou em 2022 uma proposta, o PIB-Bio, iniciativas em maturação. Por isso, vale retomar o que o SEEA orienta.
Tomando aqui por base uma combinação entre o que é apresentado no relatório do “Observatório” deste ano e na proposta do PIB-Bio do ano passado, o SEEA organiza os dados em de interação econômico-ambiental em 3 categorias: 1) serviços de provisionamento, fornecimento de recursos naturais das florestas, como fluxos de materiais e energia, que podem ser associado à recursos importantes para avanços biotecnológicos; 2) serviços de regulação sistêmica, como quando as florestas atuam como sumidouros de carbono, promovendo alterações nos estoques, que pode ser associado ao acesso à biorrecursos e; 3) valoração de recursos e serviços ambientais considerados ambientais, como o valor de se preservar florestas, manter as praias limpas, que pode ser associado aos critérios bioecológicos. As associações dos critérios com os três eixos da bioeconomia são de minha parte, obviamente merecem revisão, mas consistem em algo de interesse fundamental.
De toda forma, tais critérios originaram as seguintes contas principais de avaliação:
- SEEA ECOSYSTEM EXTENT (SEEA-EEx): mapeia ecossistemas
- SEEA ECOSYSTEM CONDITION (SEEA-EC): informações sobre o estado dos ecossistemas, como biodiversidade, poluição e saúde dos solos
- SEEA ECOSYSTEM SERVICES flow account: permite identificar, medir e acompanhar fluxos de serviços ecossistêmicos ao longo do tempo e seu impacto na economia, em termos físicos e monetários, relacionando com agentes econômicos (empresas, famílias e governos)
- SEEA MONETARY na ECOSYSTEM account for ASSETS (SEEA MEAA): “Aborda a contabilização dos ativos ambientais por meio da atribuição de valores monetários, considerando sua contribuição para a economia e sociedade
Contando com um mapeamento sistemático de ecossistemas, as condições destes num dado momento (inclusive os marcadamente transformados pela ação antrópica), os impactos dos serviços ecossistêmicos na economia (inclusive os reconstituídos pelos agentes econômicos, como reflorestamento e recuperação de pastagens) e a contabilização dos ativos ambientais de modo agregado, finalizando uma possibilidade de cálculo de Produto Interno Bruto, tem-se um framework robusto para análise ecológica e econômica. Em outras palavras, tem-se um padrão internacional para elaboração, monitoramento e planejamento de Zoneamentos Ecológico-Econômicos, e compreender paralelismos e sincronias possíveis entre o SEEA e abordagens de ZEE parece uma agenda de trabalho extremamente promissora.
IV) Iniciativas nacionais para o planejamento de complexos bioeconômicos
Os critérios de métrica apresentados acima são tanto ferramentas para orientarem agentes econômicos quanto, sobretudo, a elaboração de políticas de desenvolvimento sustentável por parte dos governos nacionais, que estabelecem localmente os parâmetros de ação destes agentes. O intenção de pensar a bioeconomia dos biorrecursos e a biotecnológica como respostas aos critérios altamente restritivos da bioecológica, fatores fundamentais de preservação de ecossistemas, direciona exatamente para como os mais influentes complexos econômicos estabeleceram seus projetos de economia bio-based e influenciarão o resto do Planeta.
O Green New Deal da União Européria esta pautado em decisões legislativas, regras de restrições e incentivos estatais que limitam e orientam os agentes para um processo de substituição dos insumos fósseis e minerais por materiais e processos de base biológica, no sentido apontado pela Bioeconomia dos Biorrecursos. Seu mais forte marco institucional é o Farm do Fork Strategy, do Biodiversity Strategy for 2030, e preconiza atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Ela pretende tornar seu Standardization Strategy num padrão mundial, orientando-se por 2 aspectos centrais: 1) precisa ter sustentabilidade e circularidade e 2) a partir destas características renovar atividade industrial, inovação e bioeconomia eficiente. Disto derivam 5 objetivos particulares: 1) garantir segurança alimentar e nutricional, 2) realizar gestão sustentável de recursos naturais, 3) reduzir dependência de recursos não renováveis (produzidos dentro ou fora da EU), 4) promover mitigação e adaptação às mudanças climáticas e 5) aumentar a competitividade europeia e a geração de empregos.
Já o complexo chinês aposta numa estratégia oposta, com altos investimentos em P&D em biotecnologia, claramente com 3 objetivos: 1) surgirão vantagens econômicas no aprimoramento dos biorrecursos que irão condicionar a preocupação ambiental nos agentes econômicos que 2) levará à um desenvolvimento sustentável competitivo, 3) estabelecendo o padrão chinês para os outros países. Principalmente em relação ao segundo ponto, isso fica claro ao observarmos que eles colocam suas metas ambientais sempre para depois das datas dos acordos internacionais (2035), dando tempo para a adequação ao que acontece e permitindo revisão de estratégias, proporcionando uma vantagem competitiva que no longo prazo permitiria a predominância de seu projeto em nível global. É claramente uma estratégia biotecnológica, com maior liberdade para o mundo empresarial.
Pode-se dizer que os Estados Unidos estabeleceram inicialmente um “caminho do meio”, com o National Bioeconomy Blueprint do governo Obama (2012), e com uma tentativa de centralização através do Inflation Recucation Act – IRA de Biden (2022). Apesar de, como na Europa, adota uma política de substituição por biorrecursos através de regras e incentivos limitando e orientando os agentes econômicos, a característica descentralização federativa do país resulta numa maior liberdade dos agentes para explorarem possibilidades biotecnologicas. Esta descentralização também torna heterogênea a adesão à pactos internacionais, como o Acordo de Paris. A própria população estadunidense se mostra difusa em relação às preocupações quanto à sustentabilidade, inviabilizando maiores semelhanças com o plano europeu.
V) Conclusões e potencialidades para o Brasil
Nesta apresentação sintética do relatório “Transição Verde: bioeconomia e conversão do verde em valor”, selecionando alguns pontos e lançando algumas hipóteses preliminares (sobretudo na terceira seção) de exploração do trabalho extremamente rico apresentado pelo pesquisadores do “Observatório de Bioeconomia” da FGV Daniel Vargas, Talita Pinto e Cicero Lima, pretendeu-se expor elementos fundamentais para a elaboração de uma conta satélite em nosso Sistema de Contas Nacionais macroeconômicas. Eles trazem alguns setores onde o Brasil pode sustentar uma vantagem comparativa, janelas de oportunidade para nosso desenvolvimento sustentável. Seriam os principais:
- BIO-AGRICULTURA: “industria a céu aberto”, ¼ do PIB, e há oportunidade enormes, sobretudo em Bioinsumo, destacando-se no controle biológico de pragas e no desenvolvimento de plantas (FBN)
- BIO-ENERGIA: hidrogênio verde e etanol de segunda geração, e eu incluiria biodiesel e biogás
- BIO-MANUFATURAS: produção de materiais e microrganismos na agricultura a serem usados como insumo na indústria
- BIO-FÁBRICAS: extrativismo sustentável (palmito, açaí, castanha-do-pará), e toda a cadeia de valor que o envolve
- ZONAS DE DESENVOLVIMENTO BIOECONÔMICO: formação de clusters regionais, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste
Por fim, trata-se do início da solução de uma lacuna em nosso planejamento público, capaz de oferecer uma série de revisões em nossas políticas ambientais e produtivas. Um tema especial e delicado, sobretudo para potencializar economicamente espaços como Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal, mas também para o Brasil inteiro. Um belo ponto de partida.
*Marcos Rehder Batista, sociólogo, pesquisador do NEA+ (Inst. de Economia) e CPTEn (Fac. de Eng. Elét. e da Comp.), na Unicamp, e do CEAPG (EAESP-FGV)
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