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2023: Um reboliço tributário

Por Pedro Câmara

14 de março de 2023 às 12:13 Compartilhe

O ano de 2023 mal começou, mas a pauta tributária só vem ganhando destaque, exigindo dos empresários um acompanhamento sério sobre mudanças que poderão causar impactos em seus negócios.

Vamos conhecer alguns desses temas?

No âmbito federal, quatro assuntos são relevantes e merecem atenção no primeiro semestre do ano:

Para você que está pensando que isso não afeta seu dia a dia, vou tentar explicar cada um desses pontos, sua importância e riscos às atividades empresariais.

 

REFORMA TRIBUTÁRIA

Hoje, existem duas propostas tramitando no Congresso Nacional com este tema, que são: a PEC 045/19 (de iniciativa da Câmara dos Deputados) e a PEC 110/20 (de iniciativa do Senado Federal).

Por PEC compreenda Proposta de Emenda à Constituição, procedimento legislativo que exige quórum qualificado para ser aprovado: (i) discussão e votação em dois turnos, em cada Casa Legislativa, (ii) sendo aprovada se contar com três quintos dos votos dos membros de cada uma delas.

Existe ainda o PL (projeto de lei) nº 3.887/20, de autoria do governo federal anterior, que deve perder força por conta da edição de um novo projeto pelo governo atual.

Por isso, é importante compreender os pontos em comum e as diferenças entre as PECs 045 e 110.

Ambas procuram concentrar alguns dos tributos atuais em um só, denominado de IBS – Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, inspirado no IVA – Imposto sobre Valor Agregado, utilizado por algumas das principais economias mundiais.

A PEC 045 concentra os chamados tributos sobre o consumo, quais sejam o IPI, o ICMS, o ISS, as contribuições do PIS e a da CONFINS.

Já a PEC 110, além dos 05 tributos mencionados no parágrafo anterior, alcançará o IOF, a CIDE- Combustíveis e o Salário-educação.

As duas propostas objetivam preservar um tratamento tributário beneficiado às microempresas e às empresas de pequeno porte. Contudo, apenas a PEC 110 cita, textualmente, a manutenção do Simples Nacional como regime especial de tributação.

Dentre os principais aspectos, as semelhanças se esgotam nesses pontos.

Quanto às alíquotas do IBS, a PEC 045 prevê uma alíquota única de 25% sobre todos os setores da economia. A PEC 110 prevê a definição de alíquotas próprias a cada setor econômico, desde que sejam as mesmas em todo país.

A reforma é inspirada por algumas premissas, valendo destacar:

Os pontos de atenção do tema ficam para:

 

Nesse último aspecto, reside o grande risco à Zona Franca de Manaus: será que há espaço para mantê-la até 2073?

A PEC 045 não admite a manutenção de qualquer incentivo, nem mesmo a ZFM. A PEC 110 prevê a manutenção da ZFM, exigindo, contudo, a edição de uma nova lei (complementar) para adequá-la a uma nova realidade.

Se considerarmos o aspecto da concentração de tributos, identificamos que IPI, ICMS, PIS e COFINS (que hoje estão no pacote da ZFM) serão aglutinados pelo IBS, nas duas propostas. O efeito óbvio será o esvaziamento dos benefícios da Zona Franca. Em outros termos, a evasão das empresas aqui instaladas.

Talvez admitir isenções ou alíquotas menores para quem aqui se fixar ou estabelecer os tipos de indústrias que poderão aproveitar seus incentivos (lembrando das vocações regionais – fármacos, perfumaria, cosméticos, pescados etc.) podem ser as apostas do projeto a ser lançado pelo governo federal, que prometeu não mexer nos benefícios da ZFM, mas, ao mesmo tempo, deu poder a políticos paulistas para definir o novo projeto.

O fato é que temos um ambiente de muita incerteza.

Outro fato é que os governos estaduais não se preocuparam com a mudança ou com a diversificação da matriz econômica do nosso estado.

Teremos tempo, diante de uma reforma iminente, para estimular setores estratégicos e evitar que o Amazonas deixe de ser uma das principais economias do país (fato este alcançado por sua produção industrial)?

Os projetos em tramitação preveem um período de transição, que poderá se estender por alguns anos. Ocorre que qualquer mudança de matriz econômica demandará décadas para ter resultados.

O assunto não será esgotado nesse texto, demandando uma discussão contínua, em especial pelas associações patronais como a ACA, permitindo a elaboração de propostas aos políticos amazonenses, sejam os do legislativo federal, seja o nosso Poder Executivo.

Quero voltar com este tema nos próximos informativos, aprofundando alguns aspectos que foram apenas citados acima.

 

LIMITES DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA

Há algumas décadas, o Brasil experimentou um boom de ações tributárias, com o intento de apontar falhas na legislação e, por consequência, diminuir a carga tributária, bem como a recuperação de valores pagos indevidamente.

Nem sempre, os contribuintes foram os vencedores dessas disputas com a Fazenda Pública, mas venceram grande parte dos temas.

Da vez que alcançaram o trânsito em julgado, termo técnico-jurídico para dizer que o processo teve um fim, os empresários também conquistaram a proteção da chamada segurança jurídica, isto é, nada mais poderá modificar o contexto benéfico à tributação da minha empresa.

Ocorre que, no STF, tramitam dois temas que podem modificar os efeitos desta “segurança”. São eles: o Tema 881, do Recurso Extraordinário RE 949297, da relatoria do Min. Edson Fachin, e o tema 885, do RE 949297, da relatoria do Min. Luís Roberto Barroso.

Ambos discutem a validade de decisões da Justiça a respeito da constitucionalidade da CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

À época em que foram concedidas as decisões (década de 90), as empresas conquistaram a declaração de inconstitucionalidade da CSLL, o que lhes permitiu não mais pagar a contribuição desde então. Ocorre que, em 2007, o STF declarou a constitucionalidade do tributo, o que permitiu à Fazenda Pública retomar a discussão e a validade das decisões diante do novo posicionamento do Supremo.

O julgamento desses temas já se arrasta há quase um ano no Plenário da Corte. Até novembro passado, foi formada uma maioria a favor da Fazenda Pública, no sentido de, a cada revisão de entendimento pelo STF, não mais prevalecerá a tese anterior, mesmo que os respectivos processos tenham sido encerrados.

Um pedido de vistas do Min. Luís Roberto Barroso, também em novembro último, suspendeu o julgamento e demandará novas declarações de votos por todos os Ministros da Corte.

A pressão sobre o STF, especialmente por parte de entidades de classe e de advogados tributaristas, está sendo forte.

Se um novo entendimento da Corte admitir a revisão de um processo com trânsito em julgado, modificando a condição de um contribuinte que estava sobre a proteção da justiça, a tão falada “segurança jurídica” poderá ser encarada como uma falácia.

Terão as empresas que devolver o que conquistaram na Justiça? Terão que pagar aquilo que foram autorizadas a não pagar? Essas são dúvidas básicas a respeito dos efeitos dos julgamentos dos temas 881 e 885, vinculados ao RE 949297, e que demandarão o que se chama de “modulação” pelo STF, ou seja, os limites do seu julgamento. Será o limite do limite, deu para entender?

Se o posicionamento a favor da Fazenda Pública prevalecer, este julgamento poderá ser adotado em outros casos de revisão de entendimento do STF. Esse é o grande perigo.

Vale dizer que, atualmente, a lei processual não admite a revisão de um processo com trânsito em julgado por mudança de posicionamento jurisprudencial, sendo, por isso, uma novidade lesiva à segurança de quem busca a Justiça.

A Corte voltou a discutir o tema nesta semana. Poderemos ter novidades até o novo informativo.

 

VOTO DE QUALIDADE

O CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais funciona como um tribunal administrativo da Receita Federal do Brasil.

Ou seja, é lá que são julgados recursos propostos por empresas contra autos de infração mantidos em seu desfavor por turmas de julgamento de primeira instância da Receita.

Uma das garantias do CARF é ter composição paritária, ou seja, por representantes da Receita e por representantes dos contribuintes (Confederações), o que, a princípio, pode asseverar julgamentos mais “justos”, sem o viés arrecadatório que a Receita naturalmente tem.

O voto de qualidade é um critério de desempate em julgamentos do órgão. Neste caso, o presidente da turma do CARF, necessariamente um auditor da Receita Federal, é quem decidirá qual tese deve prevalecer.

Para entender esse contexto, é preciso mencionar a Lei 13.988/2020, que derrubou esse critério do voto de qualidade para implementar o critério do desempate em prol do contribuinte.

Ou seja, por aproximados dois anos, complexos julgamentos do CARF puderam ser decididos a favor de empresas pela mudança de paradigma da corte administrativa.

A própria Receita admite que, enquanto prevaleceu o critério do desempate em prol do contribuinte, houve perda de arrecadação, deixando claro seu interesse com o retorno do voto de qualidade.

Por isso, a tendência com o retorno desse critério será prevalecer os interesses do governo federal em uma maior arrecadação. Ou seja, em desfavor das empresas.

A volta do voto de qualidade foi uma das condições propostas pela Medida Provisória nº 1.160/23.

Há na Justiça uma enxurrada de ações sobre o tema, seja pela transitoriedade dos efeitos de uma medida provisória, seja pela possibilidade de auditores da Receita aproveitarem esse meio tempo para rever vários posicionamentos do órgão, com o foco no aumento da arrecadação.

A Ordem dos Advogados do Brasil, por seu Presidente, Beto Simonetti, ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, nesta terça-feira, visando suspender os efeitos da MP 1.160/23 sob o aspecto do voto de qualidade.

Vou acompanhar o assunto e mantê-los informados.

 

ALÍQUOTAS DE PIS E COFINS SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS

Outro tema que vem movimentado a Justiça, nesse início de 2023, diz respeito ao aumento de alíquota das contribuições do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras.

O tema interessa às empresas do Lucro Real, tributadas pelo regime não-cumulativo do PIS e da COFINS.

Por receita financeira, compreendem-se situações cotidianas das empresas como a cobranças de juros de mora, descontos recebidos de terceiros, juros sobre depósitos judiciais e extrajudiciais, entre outros.

O governo federal anterior editou, em seus últimos dias, o Decreto 11.322/22, reduzindo as alíquotas dessas contribuições de 0,65% para 0,33% (PIS) e de 4% para 2% (COFINS).

Essa redução representaria para o próximo governo uma significativa perda de arrecadação, cerca de bilhões de reais. Tanto que o novo governo, logo ao assumir, revogou o Decreto 11.322/22, retomando os patamares de 0,65% e 4% de PIS e COFINS sobre receitas financeiras. A revogação se deu pelo Decreto 11.374/23.

O fato é que essa mudança de cenário, em tão pouco tempo, isto é, entre 30/12/2022 e 01/01/2023, encontra limites na legislação tributária por representar um aumento de alíquota.

A Constituição Federal, em seu art. 150, III, c, impede esse aumento antes de ultrapassados 90 (noventa) dias desde a publicação da lei que instituiu ou aumentou a alíquota de um tributo. É a chamada noventena.

Ainda que a mudança de alíquota tenha se dado por Decretos federais (isto é, atos normativos editados pelo Chefe do Poder Executivo), o STF tem um entendimento consolidado de que, não haverá impedimento se a lei autorizar a mudança de alíquotas por decretos, desde que esses respeitem a noventena.

Por isso, inúmeros contribuintes do Lucro Real ingressaram com ações na Justiça, para impedir a aplicação imediata do Decreto 11.374/23 e fazer respeitar a redução das alíquotas pelo período de 90 (noventa) dias. Estão tendo sucesso em primeira instância.

Prevalecendo essas decisões, o atual governo federal não conseguirá impedir, por completo, a perda arrecadatória, pois, para as empresas com decisões judiciais favoráveis, aquele só poderá cobrar as alíquotas de 0,65% e 4% a partir de abril deste ano.

 

Então, gostaram das notícias? Entenderam por que elas afetam a operação de suas empresas?

É fundamental ter o controle das informações e acompanhar o desenrolar desses assuntos. O momento de agir, com propostas ou por meio da Justiça, é o presente.

 

** Pedro Câmara Junior – Graduado em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Inscrito na OAB/AM sob o no 2.834; pós-graduado em Direito Civil pela Universidade Federal do Amazonas; pós-graduado em Direito Tributário e Social da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas; Aluno do MBA da Fundação Dom Cabral, Campus Aloysio Faria (Nova Lima – MG. pós-graduado pela NOVA School of Business and Economics (Portugal) em Pensamento Disruptivo e Inovação. Certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC no curso de Formação de Conselheiros de Administração de empresas. Advogado atuante nas áreas de Direito Societário, Tributário e Administrativo, de março de 1998 até os dias atuais. Sócio fundador e titular de Pedro Câmara Advogados.

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