Consultorias

agropecuária regenerativa

Governo e entidades rurais na articulação do agronegócio sustentável para a COP 30

Por Marcos Rehder Batista

26 de abril de 2025 às 12:53 Compartilhe

Marcos Rehder Batista*

Pode-se dizer que a nomeação do embaixador André Corrêa do Lago para a presidência da COP 30 foi muito bem recebida pelo agronegócio. A escolha aconteceu em janeiro deste ano, em reunião do presidente Lula e a ministra Marina Silva com representantes do Itamaraty. É economista formado pela UFRJ e compõe o quadro na chancelaria desde 1983, participou de várias negociações internacionais que envolviam o equilíbrio entre responsabilidade ambiental e nossos setores produtivos, e no atual governo lidera a pasta de Secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.

Em artigo publicado no começo deste mês no jornal O Estado de São Paulo, o vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira – SRB Cesário Ramalho reafirmou a aprovação da escolha, destacando a afirmação de Corrêa do Lago de que “a economia é amiga da natureza”. Esta postura traz a segurança de um equilíbrio no “tripé econômico, social e ambiental – e não só o último”. No texto destaca iniciativas sustentáveis de nossa agropecuária que servem de exemplo para o mundo, como práticas regenerativas e a combinação entre agricultura alimentar e energética, e as oportunidades globais que se abrem para o Brasil, em contraste com a guinada “antidescarbonização” de Donald Trump.

Sobre este último ponto, importante frisar que Cesário Ramalho já era coordenador do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo – ACSP quando Aldo Rebelo foi Secretário de Relações Internacionais paulistano, formando uma conjuntura única para destacar a gigantesca representatividade das cadeias agroindustriais na economia da principal metrópole da América Latina. Se comandando um conselho da ACSP tínhamos um ex-presidente da Agrishow, do Global Forum Agribusiness e da própria “Sociedade Rural”, na secretaria que conecta a cidade mais cosmopolita do país ao mundo tínhamos uma liderança com histórico de décadas na interface entre sustentabilidade e atividades rurais, como na relatoria do Novo Código Florestal.

No artigo de 7/4 Ramalho expõe uma série de apontamentos que podem ser encontrados com mais detalhes no position paper conjunto da SRB, Abag, FIESP e CropLife Brasil, com uma série de demandas para a COP 29 visando a COP 30. No documento intitulado Soluções Climáticas da Agropecuária a Caminho da COP30, de novembro de 2024, cobra-se, da “porteira pra fora”, a criação de mecanismos de financiamento da agropecuária sustentável do nível local ao global, e da “porteira para dentro” destaca iniciativas pioneiras do Brasil em agropecuária de baixo carbono, como o Plano ABC/ABC+ (atual RenovAgro).

Nas práticas de manejo as entidades aderem ao atual paradigma da agropecuária regenerativa, mencionando as diversas técnicas já usuais no país como Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, fixação biológica de nitrogênio, plantio direto e utilização crescente de bioinsumos. Elas têm capacidade de fixação de carbono no solo através da ação de microrganismos na decomposição da matéria orgânica e, deste modo, áreas que as adotam deveriam ser objeto de financiamento de fundos para ação climática, tanto pela recuperação de pastagens quanto por contribuírem na mitigação do aquecimento global; isto é cobrado no position paper e reforçado recentemente por Ramalho.

Somando-se à importância da agroenergia, onde também somos referência mundial, estas são as principais demandas do agronegócio brasileiro na COP de Belém e, conforme estas organizações de produtores ressaltam, o fórum principal para negociações do setor é o Sharm El-Sheikh Joint Work – SJWA (como Grupo de Sharm El-Sheikh). Já no segundo ano de vigência do Acordo de Paris estabeleceu-se na Conferência das Partes, por iniciativa da FAO, um grupo de trabalho para a desestigmatização das atividades rurais, o Koronivia Joint Work on Agriculture, e o SJWA é sua continuidade e deve concluir os trabalhos (e as entregas) até final do próximo ano. Ele tenta solucionar exatamente o equilíbrio entre sustentabilidade econômica, social e ambiental, pois é irresponsável penalizar a produção de alimentos (e seus resíduos) em um mundo com tantos problemas energéticos e de segurança alimentar.

Não se trata apenas de elaborar condições sustentáveis para a agropecuária, mas de entender como a Revolução Verde reposicionou o setor nas cadeias globais de valor. Não faz mais sentido a ideia de que as atividades rurais são de baixa tecnologia embarcada, e por este motivo investir nelas condena ao atraso. São fartas as evidências não apenas da enorme gama de setores da pesquisa e da indústria voltados para insumos e equipamentos para os complexos agroindustriais, envolvendo muitos empregos, de vendedores à operários na produção de caminhões.

Hoje, dominar estas cadeias também nos coloca em uma posição privilegiada na Divisão Internacional do Trabalho, e um exemplo bastante esclarecedor a este respeito foi o publicado por José Roberto Mendonça de Barros em 2018, precisamente sobre todos estes setores industriais. Neste trabalho desenvolvido para o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – IEDI, a Carta 859, Mendonça de Barros aponta que o suporte agrícola brasileiro é inferior ao dos nossos principais concorrentes, ironicamente os que mais criticam quando decidimos fortalecer o apoio aos agricultores: União Europeia e Estados Unidos. O indicador utilizado foi o Agricultural Support, da OCDE, de credibilidade internacional, e partindo desta constatação o estudo contrasta a falta de apoio tanto ao fato da agropecuária ter sido o único setor que cresceu significativamente após a última crise econômica quanto pelo já citado enorme conjunto de serviços e produtos industriais mobilizados por ele.

Isso reforça o destaque dado aqui ao fato de Cesário Ramalho e Aldo Rebelo terem ocupado concomitantemente espaços institucionais não tradicionalmente ligados ao agro na principal cidade do país, pois torna muito concreto que a separação entre atividades rurais e urbanas é coisa do passado: a maioria absoluta de seus insumos e equipamentos são produzidas em regiões metropolitanas; geram renda nelas, direta e indiretamente. A defesa de alternativas sustentáveis rentáveis para o agronegócio deixou de ser uma agenda distante do universo cosmopolita, muito menos uma pendência meramente entre grupos dentro do território nacional: trata-se de uma urgência em nossas relações exteriores, e termos a Conferência das partes no Brasil é uma oportunidade única de mostrar para o mundo o peso das cartas que temos na manga. Quando a Sociedade Rural Brasileira emite um posicionamento oficial elogiando tanto Ana Toni como CEO e diretora-executiva da COP 30 quanto a presidência da “Conferência” nas mãos de Corrêa do Lago, este último recebendo as mesmas congratulações por parte de uma das maiores lideranças do agro em um dos principais órgãos de imprensa do país, tudo indica que estamos seguros na defesa do interesse nacional.

É mais que necessário reconhecer a devida relevância da agenda regenerativa defendida também pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, dentro e fora do país. Ele dá continuidade ao que já existia, e continua a avaliar avanços. Este é o caso do Programa Sempre Verde, encaminhado por entidades ao Secretário de Política Agrícola do MAPA, Guilherme Campos, que está articulando a viabilidade do projeto que reivindica desconto de 1% nos juros de financiamento do Plano Safra para produtores que cultivam plantas de cobertura para rotação, principalmente nas culturas de soja, milho e algodão. Este tipo de iniciativa se alinha totalmente à pauta que o G77+China deve levar à mesa de negociações na UNFCCC, onde o Brasil tem prestígio o suficiente como ator decisivo, ainda mais “jogando em casa”.

*Marcos Rehder Batista, pesquisador no Centro Paulista de Estudos sobre a Transição Energética – CPTEn (FEEC – Unicamp) e no Centro de Estudos em Administração Pública e Governo – CEAPG (EAESP-FGV)

Comentários

Buscar

Compartilhe

Governo e entidades rurais na articulação do agronegócio sustentável para a COP 30

Guia de Associados